segunda-feira, 30 de agosto de 2010

GRUPO E AUTO REGULAÇÃO 1

Afonso H Lisboa da Fonseca, psicólogo.

Uma característica fundamental dos grupos humanos, e dos Grupos Vivenciais, é a sua capacidade para a auto regulação. A consideração e o interesse radicais pelos processos e tempos da auto regulação, enquanto processo grupal, é um dos interesses fundamentais da concepção e da metodologia do trabalho com grupos das Psicologias e Psicoterapias Fenomenológico Existenciais, a Gestalt, no caso, e a Abordagem Rogeriana.

A consideração radical pela auto regulação dos organismos é já um dos aspectos mais importantes, uma das características mais definidoras e fundamentais, da concepção e do método da Ges-tal’terapia e a Abordagem Rogeriana. O privilegiamento da auto regulação é herdado de W. Reich, e de K. Goldstein -- que, dentro de sua importante concepção de Organismo, entendeu-a como auto regulação organísmica.
Importante ressaltar que a auto regulação, neste caso, se refere à auto regulação do organismo, com pouca consideração pelo seuaspecto social. Na verdade, igualmente, com pouca consideração pelo aspecto fenomenológico da auto-regulação.
Perls vê a auto regulação como ajustamento criativo no campo organismo meio. E assume que a Gestal’terapia é uma abordagem fenomenológico existencial experimental. Que se empenha, conceitual, e metodologicamente, em criar situações experimentais, ao modo experimental de sermos, fenomenológico existencial dialógico. Situações nas quais a pessoa pode experimentar o modo de sermos do Contato – da Ação --, intrínseco à experimentalidade fenomenológico existencial e dialógica. E auto-regular-se criativamente, pela ação, pela atualização de possibilidades, pelo ajustamento criativo no campo organismo meio.
A sua concepção e metodológica caracteriza, assim, a Ges-tal’terapia como uma abordagem eminentemente experimental, no sentido fenomenológico existencial, profundamente fundada na con-sideração pela auto regulação organísmica como processo concomi-tante igualmente de ajustamento criativo. Perls traz, assim, a con-cepção de que a auto regulação e o ajustamento criativo são fenomenológico existenciais, dialógicos, e ativos, criativos.
A auto regulação organísmica, assim, no contexto da Ges-tal’terapia, implica e empenha-se na melhoria do padrão do contato, do padrão da ação. Na medida em que o contato, a ação, a auto regulação, o ajustamento criativo, se dão no modo fenomenológico existencial de sermos. Que é dialógico e hermenêutico, e criativo. O modo de sermos da ação, do contato, da ação contactante.
Outra característica fundamental da ação, do modo de sermos da ação, fenomenológico existencial dialógico, e experimental, da auto regulação, é a de que este modo de sermos é intencional, intensional.
Dentre outros aspectos essenciais, neste sentido, esta caracte-rística intencional do modo fenomenológico existencial de sermos significa ele é o modo de sermos que é anterior ao modo de sermos da experiência da dicotomização sujeito-objeto.
O que significa dizer que, neste modo intencional, intensional, fenomenológico existencial, de sermos, a dualidade corpo-mente, e a dualidade self-mundo externo são vividos integrativamente na dialógica de uma relação eu-tu, e não numa dicotomia sujeito objeto, que cada vez mais se amplia enquanto tal.
No modo fenomenológico existencial de sermos, na vivência da ação, na vivência do contato, na auto regulação organísmica, no ajustamento criativo -- o ambiente, e o corpo, não são objetos, na relação com um eu subjetivo. Própria e especificamente o ambiente é integramente um tu, da dialógica de uma relação eu-tu. E esta dialógica não é da ordem da dicotomia sujeito-objeto. Não é objetiva, nem subjetiva.
Assim, reduz-se e integrativa-se a dicotomia corpo-mente; e a dicotomia self-mundo externo, na vivência, sempre experimental, do modo de sermos da ação, na vivência do modo de sermos que Perls chamava de contato, na vivência do modo fenomenológico existencial de sermos, dialógico, hermenêutico, e experimental. Que naturalmente se constitui assim como o modo de sermos da auto regulação e do ajustamento criativo -- pela atualização criativa de possibilidades, pela ação (em termos fenomenológico existenciais compreensivos, implicativos – e não explicativos --, o que entendemos como interpretação fenomenológico existencial).

Rogers, também, tinha a auto regulação como um elemento central de sua concepção e método de psicoterapia, de pedagogia.
Para Rogers, num primeiro momento, o elemento central de sua abordagem era o privilegiamento da experiência organísmica do cliente, ou a experiência organísmica da relação entre o cliente e o terapeuta. Através da consideração positiva incondicional pela experiência do cliente, da compreensão empática, e da genuinidade do terapeuta – como condições terapêuticas, que podem ser privilegiadas como elementos da relação com o cliente, ou entre o professor e o aluno.
O grande segredo da concepção e da metodologia rogerianas é a ideia de tendência atualizante, a tendência para a ação, para a atualização; e o que podemos entender como a tendência formativa desta tendência atualizante. As condições terapêuticas que o terapeuta visa assumir como atitudes na relação com o cliente, visam propiciar a experiência empática na relação terapeuta cliente, a vivência da experiência organísmica na pontualidade da relação terapeuta cliente. O modo de sermos da experiência organísmica, que é o modo de sermos no qual se efetiva a ação, a tendência atualizante, e a tendência formativa que lhe é inerente.
Vividas fenomenologicamente de modo essencial, a tendência atualizante, em sua formatividade própria tem um caráter eminente-mente hermenêutico, um caráter de carreamento de potência e novidade na experiência do cliente, pela ação, pela atualização de possibilidades. Processo este auto-regulativo, na medida em que pode, na concepção rogeriana do processo da experiência, diluir as barreiras à vivência da experiência organísmica, e de seu poder auto-regulativo.
Trabalhando, em particular, a reorganização de uma imagem de eu que se enrijecera cada vez mais. Tornando-a progressivamente mais flexível e fluída, e permeável às influências auto regulantes da experiência organísmica, da tendência atualizante, na form-atividade de sua tendência formativa.

Rogers foi se tornando cada vez mais fenomenológico existen-cial empírico, e ensaísta, afastando-se da teorização. Mas a empatia, a consideração positiva incondicional, a genuinidade do terapeuta, junto com os pressupostos da valorização e privilegiamento da tendência atualizante, e da tendência formativa, da auto regulação, permaneceram até o final de sua obra, e de sua prática.
Carl Rogers, na fase final de sua vida, passou a dedicar-se cada vez mais aos grupos, desenvolvendo um modelo fenomenológico existencial experimental de trabalho com grupos. A sua teorização neste sentido foi mais ensaística, e experimental. Mas a ideia de tendência atualizante, e de tendência formativa, a ideia da empatia, e das demais condições terapêuticas, as ideias da experiência organísmica, e da auto atualização, as ideias de auto regulação, passam de um modo muito significativo para a concepção e para os pressupostos da metodologia de seu trabalho com grupos.
De modo que ele vai explorar, cada vez mais, o pressuposto da auto regulação. Agora não mais, simplesmente, como uma característica do funcionamento pessoal, mas como uma característica do próprio processo grupal, como uma característica do processamento da experiência e da experimentação coletivas da vivência do processo grupal.
Ou seja, a auto regulação não se constitui, apenas, ao nível fenomenológico existencial dialógico, experimental, e hermenêutico, da vivência pessoal... Igualmente, a auto regulação se constitui, própria e especificamente, como a vivência fenomenológica existencial dialógica, ativa e formativa, da experiência coletiva grupal -- nas dinâmicas de suas interações com a vivência pessoal dos participantes.
A tendência atualizante, a ação, a tendência formativa, a auto atualização, a auto regulação, definitivamente se constituem assim na, e constituem a, vivência da experiência coletiva do grupo. Se configuram na ação, na inter ação, fenomenológico existencial, dialógica, hermenêutica e experimental nos fluxos do processo do Grupo.
O processo grupal se dá como uma dialógica entre a consciên-cia das vivências pessoais e a consciência da vivência que se constitui coletivamente. Neste processo da dialógica da vivência, pessoal e coletiva, a ação a atualização, da tendência atualizante, que se constitui como tendência fenomenológico existencial formativa, tem um papel própria e eminentemente, produtivo, criativo; e de auto regulação. Na medida em que, em particular, a ação, a auto atualização, são criativas, produtivas, e auto regulativas.
A tendência atualizante -- a tendência fenomenológico existen-cial para a ação --, e a tendência formativa – a tendência fenomenológico existencial dialógica, experimental, e hermenêutica, para a form-ação das formas da consciência vivencial, e de seus produtos --, se constituem, também, coletivamente, assim. E como elas são a fonte intrínseca da auto regulação. São a fonte da auto regulação no processo grupal.
Metodológica e conceitualmente, no âmbito da concepção e método das psicologias e psicoterapias fenomenológico existenciais, no âmbito da Gestalt e da Abordagem Rogeriana, cumpre zelar pelas suas condições de possibilidade. Ou seja, o privilégiamento, na vivência grupal, da experiência organísmica. O privilegiamento da experiência fenomenológico existencial dialógica, e experimental, como forma de vivência privilegiada na experiência e na experimentação grupais.
Que são ativas, criativas, e auto regulativas. Hermenêuticas, experimentais, dialógicas, e poiéticas.

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